quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Esclarecendo o que é a avaliação psicológica

Embora muitas pessoas tenham acesso hoje à psicoterapia, ou sejam avaliadas em entrevistas de emprego e outros contextos, muitas não compreendem o sentido de certas práticas realizadas pelo(a) psicólogo(a) no sentido de avaliar seu comportamento. Apesar disso, as avaliações psicológicas são comuns na prática de um profissional da Psicologia. Tais avaliações são empregadas com diversas finalidades, seja num contexto clínico, educacional, institucional ou outros. O psicólogo dispõe atualmente de diversas estratégias avaliativas, dentre elas, as várias abordagens teóricas da Psicologia (como a psicanálise, a psicologia cognitiva, etc.), os métodos psicométricos (como escalas, inventários e check-lists), a entrevista psicológica, os testes projetivos e as medidas e classificações nosológicas (como o DSM). Sob esse aspecto, o conceito de avaliação psicológica mostra-se de uma vasta abrangência semântica, referindo-se a todo tipo de estratégia utilizada pelo psicólogo quando da apreciação de demandas pessoais ou grupais num determinado contexto. Já o termo psicodiagnóstico caracteriza uma forma específica de avaliação, com propósitos clínicos, e que, portanto, não inclui todos os modelos avaliativos de diferenças individuais (CUNHA, 2000a). A palavra diagnóstico é proveniente do grego diagnõstikós, que se refere à capacidade de discernir, ou seja, tomar contato com o que muitas vezes está oculto ao olhar despreparado, que só através do conhecimento se tornará hábil para detectar o que não foi falado, mas, que de alguma maneira foi dito. (ANCONA-LOPEZ, 1984). Na psicologia, o termo empregado é o de diagnóstico psicológico, que é voltado para uma compreensão neste âmbito, podendo então ser conhecido como psico-diagnóstico, ou ainda como diagnóstico da personalidade, estudo de caso, etc Na definição de Cunha (2000a, p. 23) o psicodiagnóstico “é um processo que visa a identificar forças e fraquezas no funcionamento psicológico, com um foco na existência ou não de psicopatologia.” Segundo Arzeno (1995) o psicodignóstico é um recurso imprescindível, cujo sucesso depende da escolha adequada das técnicas a serem utilizadas e de um emprego eficaz das mesmas. A concepção mais comumente usada da personalidade, a concepção psicodinâmica, propicia vários exemplos de como o processo psicodiagnóstico pode ser útil. Ela parte do conceito de que a personalidade possui um aspecto consciente e outro inconsciente, tendo uma dinâmica interna específica, na qual existem ansiedades básicas que mobilizam defesas mais primitivas e outras mais evoluídas, que cada indivíduo possui uma configuração de personalidade única e inconfundível, que tem um tipo de inteligência que pode manifestar-se ou não segundo existam ou não interferências emocionais. A concepção psicodinâmica também parte do pressuposto de que as emoções e impulsos podem ser mais intensos ou mais moderados, que o indivíduo pode controlá-los adequada ou inadequadamente, existindo desejos, inveja e ciúmes entrelaçados constantemente com todo o resto da personalidade, e que os impulsos libidinosos e tanáticos lutam para ganhar primazia ao longo da vida, no qual o sadismo e o masoquismo estão sempre presentes em maior ou menor escala. Considera-se ainda o nível de narcisismo, que pode mostrar-se baixo demais, adequado ou alto demais e isto incide no grau de submissão, maturidade ou onipotência que demonstre; que as qualidades depressivas ou esquizóides que predominarem como base da personalidade podem ser razoáveis ou sofrer um aumento até transformarem-se em um conflito que atrapalhem ou alterem o desenvolvimento do indivíduo (ARZENO, 1995). A análise das defesas que uma pessoa tem usado ao longo da vida, avalia até que ponto elas podem ou não estar sendo benéficas, dependendo do contexto – e isto sem que o sejam em si mesmas prejudiciais. Outro conceito importante é o de estrutura de base da personalidade; nos casos de predomínio esquizóide ou depressivo instalam-se outras estruturas defensivas de tipo obsessivo, fóbico ou histérico. Os fatores hereditários e constitutivos desempenham um papel muito importante, razão pela qual não é recomendável trabalhar exclusivamente com a história do indivíduo e o fato desencadeante da consulta, mas estar aberto à possibilidade de incluir outros estudos complementares; (médico-clínicos, neurológicos, endocrinológicos, etc.). Embasado nestes indicativos pode-se perceber o quanto o psicodiagnóstico é vantajoso por uma série de razões. Em primeiro lugar, ele possibilita uma compreensão mais ampla das causas do quadro psicopatológico, endossado, dessa forma, o trabalho do psicólogo e protegendo o cliente de eventuais estereótipos, originados, muitas vezes, de uma avaliação inadequada. Ademais, quando efetuado com precisão, o psicodiagnóstico garante também maior segurança ao psicólogo, em seu compromisso ético e clínico de conduzir um trabalho devidamente fundamentado. Por fim, deve-se ressaltar o fato de que, sendo um procedimento passível de investigação científica, o psicodiagnóstico pode ser aperfeiçoado sempre, fornecendo ao profissional de Psicologia subsídios seguros para que sua avaliação não permaneça restrita a especulações e impressões demasiadamente subjetivas. Isto terá conseqüências ainda no momento de explicitar ao cliente seu estado atual e seu prognóstico; situação esta que exigirá do psicólogo certa objetividade e clareza, além de um conhecimento adequado dos recursos psicológicos do cliente, de maneira a lhe relatar somente o necessário para a condução do tratamento, dentro das possibilidades atuais e limites deste último ou de seus responsáveis (CUNHA, 2000a).
Em geral, o processo psicodiagnóstico é desencadeado em vista de um encaminhamento proposto durante uma consulta psicológica. Via de regra, o cliente ou seus responsáveis relatam ao psicólogo uma queixa, que constitui o motivo manifesto da ida ao consultório ou à clínica psicológica. Tal motivo, baseado em certo número de sintomas percebidos pelo cliente, representa o ponto de partida para o psicólogo, ainda que o problema evidenciado seja de natureza bem diferente da que o indivíduo tende a imaginar quando resolve buscar ajuda. Os sintomas podem indicar para o indivíduo que algo está errado em seu funcionamento psicológico, mas a percepção destes varia de acordo com os recursos pessoais, as capacidades de enfrentamento e as defesas psicológicas de que ele dispõe. Para entender os fatores que desencadearam determinado sintoma, bem como as possíveis fantasias e percepções distorcidas do cliente a respeito de seu atual quadro psicológico, cabe ao psicólogo uma investigação acurada de sua história pregressa, isto é, de sua história anterior à vinda ao atendimento e das situações e fatores circundantes ao aparecimento dos sintomas – em outras palavras, o contexto da queixa ou a pré-história do caso (CUNHA, 2000b; OCAMPO, 1981). Arzeno (1995) divide as etapas do procedimento diagnóstico em sete momentos: 1°) O período entre a solicitação da consulta pelo cliente e o encontro com o psicólogo; 2°) As primeiras entrevistas com o cliente, onde são esclarecidos os motivos manifestos e latentes da queixa, as ansiedades, defesas, fantasias de cura ou doença, a história do indivíduo e de sua família; 3°) Momento em que se começa a refletir sobre o material coletado previamente e as hipóteses iniciais, de forma a planejar os passos do processo e os instrumentos de avaliação a serem utilizados; 4°) Efetivação da estratégia diagnóstica elaborada no terceiro momento; 5°) Estudo do material colhido por meio dos procedimentos diagnósticos. Trata-se de trabalho árduo e que frequentemente desperta resistências, as quais devem ser superadas pelo profissional; 6°) Entrevista de devolução das informações para o indivíduo ou para sua família; 7°) Elaboração do informe psicológico do caso, quando houver solicitação. Um aspecto importante a ser salientado quanto ao psicodiagnóstico é a relação terapeuta-cliente. Esta se mostra fundamental para a realização de uma avaliação adequada e eficiente do caso e deve ser trabalhada com o cliente desde o início do processo. Não se trata apenas de uma relação no nível da expressão verbal de idéias e sentimentos conhecidos, mas também de uma interação a partir de dados mais profundos, oriundos do inconsciente, incluindo gestos, atos falhos, atuações, fantasias ou mesmo a linguagem corporal, que pode funcionar às vezes de maneira sutil, mas extremamente reveladora. De qualquer modo, o passo essencial a essa forma de “escuta” é a abertura do psicólogo às experiências do indivíduo e às suas próprias durante o processo, por meio da qual a sua posição de especialista é, até certo ponto, relativizada, permitindo a emergência de conteúdos ainda não integrados à consciência, reveladores não só da interação entre os dois num contexto terapêutico, como também das reações que o cliente tende a suscitar nas pessoas em geral, ao longo das relações pessoais que estabelece (CUNHA, 2000b). Portanto, o contexto sócio-cultural e familiar deve ocupar um lugar importante no estudo da personalidade de um indivíduo, já que é de onde ele provém. Quando o objetivo do estudo é outro - trabalhista, educacional, forense, etc. -, o psicodiagnóstico clínico também serve de base para as conclusões necessárias nessas outras áreas, e nestas, os fatores sócio-culturais são ainda mais evidentes. O estudo da personalidade é, na realidade, um estudo de pelo menos três gerações, num contexto étnico-sócio-cultural. Daí a importância de saber claramente qual é o objetivo do psicodiagnóstico, o que vamos realizar, de forma que, antes de iniciar a tarefa, o psicólogo possa esclarecer com o consultante qual é o motivo manifesto e mais consciente do estudo e intuir qual seria o motivo latente e inconsciente do mesmo, além de como as questões étnicas, culturais e sociais podem estar refletindo o diagnóstico estipulado (ARZENO, 1995). É importante dedicar a isto todo o tempo que for necessário e não iniciar a tarefa se o consultante insistir na idéia de que o psicólogo o faz por mera curiosidade, já que isso se refletirá negativamente no momento da devolução de informação. Cabe ao psicólogo observar, perceber, escutar com tranqüilidade, aproximar-se sem ser coercitivo, inquiridor, todo-poderoso. Somente assim se criam o silêncio necessário e o espaço para que o paciente revele sua intimidade, ou senão, denuncie os aspectos incoerentes e confusos de seus conflitos. (RAYMUNDO, 2000, p. 39)