segunda-feira, 14 de junho de 2010

Psicanálise e Filosofia

Desde os seus primeiros idos, a Psicanálise tem estabelecido diálogos com a Filosofia. Um exemplo disso pode ser encontrado na análise que a psicóloga Maria de Fátima Fernandes realizou da obra do filósofo Arthur Schopenhauer, mostrando as relações entre algumas de suas idéias e as posteriores noções freudianas sobre o inconsciente. Publicado recentemente na Revista da Universidade Guarulhos, o artigo de Fernandes resume algumas das principais correlações entre o trabalho do filósofo Schopenhauer e o conceito de inconsciente na Psicanálise. Confira a seguir o link para baixar o texto:

http://revistas.ung.br/index.php/educacao/article/view/548/645

RESUMO: Embora o interesse filosófico por processos não-conscientes possa remontar a Platão, foi só com o advento da Psicopatologia e, mais à frente, da Psicanálise Freudiana, que o inconsciente passou a ser estudado de maneira ostensiva. Essa constitui, entretanto, apenas uma parte da evolução sobre as idéias acerca do inconsciente.Vários foram os filósofos que antes de Freud, abordaram o conceito de processos não-conscientes. Contudo, dentre esses autores aquele que mais se destacou pela sua aproximação com a teoria psicanalítica foi o filósofo Arthur Schopenhauer. A filosofia de Schopenhauer pode ser considerada referência primordial no estudo das relações entre a psicanálise e a filosofia. O propósito central deste trabalho é justamente o de revisar os principais conceitos da obra de Schopenhauer que nos remetem, de uma maneira ou de outra, à noção de inconsciente psicanalítica freudiana. Muitos autores têm demonstrado a importância de se rastrear os fundamentos filosóficos de conceitos da Psicologia e de se estabelecer relações entre a ciência e as demais áreas do saber, o que fortalece a compreensão dos conceitos estudados, localiza-os na história do pensamento humano e indica pontos de discussão relevantes. A discussão sobre o tema pode inclusive suscitar questões relevantes para pesquisas futuras e indicar caminhos no sentido de solucionar lacunas existentes na literatura psicanalítica sobre o inconsciente. Para tanto, foram cumpridos os seguintes objetivos: discutir os antecedentes e fundamentos teóricos da noção psicanalítica freudiana de inconsciente na filosofia de Schopenhauer; verificar a possível influência das contribuições filosóficas de Schopenhauer na elaboração da teoria psicanalítica sobre o inconsciente; averiguar a possível relação entre os conceitos filosóficos schopenhauerianos e avisão de homem e de tratamento propostas pela  psicanálise freudiana, a partir da noção de inconsciente.

domingo, 25 de abril de 2010

As necessidades humanas... na era dos desejos efêmeros.

Todos nós, seres humanos, buscamos suprir nossas necessidades. Sua satisfação depende de uma série de condições sociais, pessoais, econômicas, afetivas, e assim por diante. Sempre que estamos satisfeitos com alguma coisa, tendemos a buscar algo mais amplo, a estabelecer novas necessidades. Mas é preciso diferenciar aquilo que é essencial à vida humana, daquilo que é meramente do campo do prazer efêmero, de uma vontade momentânea ou desejo passageiro, e que pode algumas vezes ser confundida com uma necessidade básica. Ter um celular, um carro ou um automóvel pode ser importante para a maioria das pessoas do mundo contemporâneo, mas essas não constituem necessidades humanas universais, senão exigências ou expectativas de nossa sociedade moderna e ocidental. Além do mais, o desejo por ter um objeto ou produto específico talvez esconda uma necessidade de estima ou status social; o marketing e a propaganda estão constantemente tentando nos convencer de que seus produtos podem suprir nossas necessidades, e que a solução é simples: basta comprá-los. Os psicólogos, no entanto, sabem que esse processo não é tão fácil assim. O desenvolvimento humano caminha a passos lentos e por vezes tortuosos, e é preciso saber diferenciar o que é da ordem da ilusão, e o que constitui efetivamente um autêntico desenvolvimento. Podemos começar com uma teoria simples porém fundamental.
O psicólogo Abraham Maslow propõe um ponto de equilíbrio entre necessidades biológicas e sociais, integrando, dessa maneira, diversos conceitos em teoria da motivação. Segundo ele, as pessoas assumem várias necessidades que competem entre si para expressar-se. Tais necessidades se agrupam hierarquicamente de acordo com as propriedades da pirâmide, sendo que as necessidades mais básicas têm de ser satisfeitas primeiro, para que as demais possam emergir.
Na base da pirâmide, encontramos as necessidades fisiológicas fundamentais, indispensáveis à sobrevivência, como a de comida, água, sono, sexo, temperatura estável, etc. Elas têm de estar consideravelmente satisfeitas para que o indivíduo comece a se preocupar com necessidades mais elevadas.
Ao alcançar uma satisfação razoável de suas demandas fisiológicas, o indivíduo atinge então a segunda camada da pirâmide constituída pelas necessidades de segurança e proteção. A satisfação destas induzirá a busca por amor e pertinência, estima, estética e, finalmente, à Auto-realização, meta primordial de todo ser humano (figura acima). De acordo com Maslow, as pessoas se tornam frustradas quando não conseguem fazer uso de todo o seu talento ou buscar seus interesses verdadeiros.
Dentre as necessidades destacadas por Maslow, as necessidades fisiológicas constituem o fundamento da pirâmide, envolvendo a alimentação, a atividade, a sexualidade, o sono e demais aspectos físicos.

Tendo sanado as necessidades fisiológicas mais urgentes, o indivíduo pode começar a preocupar-se mais detidamente com sua segurança e proteção. Isso envolve não apenas a aquisição de uma moradia adequada, como também uma condição econômica / financeira mínima de sustentabilidade, certo resguardo contra acidentes e possíveis revezes (tais como roubos, maus tratos etc.).
Não basta a uma pessoa ter resolvido sua fome, sede ou sono, ou ainda, ter proporcionado a si um ambiente seguro e previsível. Precisamos todos nos sentir afiliados a determinado grupo, como parte integrante. São as necessidades sociais. É assim que o amor ou o afeto constitui uma das necessidades humanas de maior importância. Haja visto o trabalho de Sigmund Freud acerca da relação afetiva entre mãe e filho desde o nascimento e suas repercussões na vida adulta.
Ao elaborar suas hipóteses em torno de uma hierarquia das necessidades, Maslow apontara também a auto-estima e a estética como elementos da pirâmide. Primeiramente, identificara dois tipos específicos de auto-estima: uma alta e outra baixa. A baixa auto-estima diria respeito à convivência com os demais: necessidade de Status, fama, glória, reconhecimento, atenção, reputação, apreciação, dignidade e certo domínio das situações. A auto-estima alta, por sua vez, teria relação com o respeito por si mesmo, incluindo sentimentos tais como confiança, competência, maestria, independência e liberdade. Nenhuma das duas guarda em si algo de positivo ou negativo; o fato de se chamarem alta e baixa não implica que uma seja melhor que a outra. A versão negativa dessas tendências acabaria culminando em fortes sentimentos de inferioridade e incapacidade de produzir e agir.
Maslow estudou uma pequena amostra de 20 pessoas as quais, segundo ele, haviam alcançado o estágio final de auto-realização. A partir de suas pesquisas, ele afirmara que o número de pessoas auto-realizadas, não deve chegar a 1% da população. Essas pessoas são livres de neuroses e psicoses e quase sempre têm da meia-idade em diante. Para terem alcançado esse último estágio, elas necessariamente resolveram as exigências anteriores ou organizaram-nas de acordo com seu objetivo de auto-realização. Elas têm em comum as seguintes características (ou metanecessidades):
 Possuem uma percepção objetiva da realidade;
 A plena aceitação de sua própria natureza;
 Compromisso e dedicação a algum tipo de trabalho;
 Simplicidade e naturalidade em seu comportamento;
 Necessidade de autonomia, privacidade e independência;
 Experiências místicas ou culminantes (momentos de êxtase, maravilhamento, assombro e deleite intensos);
 Empatia com toda a humanidade e afeição por ela;
 Resistência ao conformismo;
 Estrutura de caráter democrática;
 Atitude de criatividade;
 E um alto grau de interesse social.
Embora raríssimos de se encontrar, indivíduos auto-realizados tendem a exercer um papel importante na história da civilização, pelos seus feitos de natureza grandiosa e sua personalidade marcante. Maslow chegara a estabelecer uma relação geral de pessoas importantes que pareciam cumprir com seus critérios de auto-realização. Dentre elas encontramos Abraham Lincoln, Mahatma Ghandi, Albert Einstein, Albert Shweitzer, Madre Teresa de Calcutá, etc. É notório o fato de uma grande maioria desses indivíduos possuírem idade avançada ou terem alcançado a auto-realização após a meia-idade. Assim como outros teóricos da psicologia (tais como Carl Jung, Erik Erikson, etc.), Maslow enfatizara uma forte relação entre o desenvolvimento final das potencialidades humanas e a velhice ou vida adulta tardia, descentralizando os valores da juventude exaltados pela sociedade de consumo moderna.
Muitas pessoas mal conseguiram deixar as necessidades fisiológicas básicas, pois passam fome e miséria. Outras sanaram relativamente bem essa necessidade, mas vivem em moradias precárias, onde não tem segurança e proteção, talvez como os vitimados pelos deslizamentos recentes no Rio de Janeiro. Outras pessoas têm sua fome sanada, bem como um lar e uma estrutura econômica favorável, mas são afetivamente carentes, ou sofrem sérias dificuldades de auto-estima. As necessidades mais altas na pirâmide não são invariavelmente mais fáceis de resolver, ao contrário do que se pensa; elas também podem ser extremamente danosas aos indivíduos. Na maioria das vezes também, embora muitos indivíduos consigam sanar sua fome e necessidades básicas, ou ter uma casa para morar, eles sempre enfrentarão problemas para manter essas necessidades sendo continuamente satisfeitas; podem passar, por exemplo, por momentos de crise financeira, em que falte o alimento diário, ou ser despejado de casa por não pagar o aluguel.
Por sua vez, aqueles que resolveram melhor suas necessidades básicas, não são apenas por isso pessoas superiores em relação às outras; do ponto de vista moral, elas podem carregar ainda uma série de lacunas, assim como no aspecto intelectual, perceptivo, e assim por diante. Existem várias linhas de desenvolvimento, e em cada uma se pode apresentar problemas ou desvios de percurso. A pirâmide das necessidades é apenas uma das linhas de desenvolvimento humano.
No caso das necessidades mais básicas, a psicoterapia talvez não pudesse ajudar muito. O psicólogo trabalha com a mente e com o comportamento humano. Seu trabalho começa, sobretudo, na terceira parte da pirâmide (amor e pertinência), onde atua nas questões afetivas. Também trabalha a auto-estima, e pode contribuir com o processo de auto-realização. Entretanto, há importantes exceções. Algumas vezes, quando as pessoas são afetadas por transtornos mais graves, como o pânico, a segurança e proteção delas também pode ser um objeto de análise e intervenção do psicólogo. E mesmo que o psicólogo não possa sanar essas necessidades fisiológicas e de proteção material, ele pode auxiliar as pessoas nesse processo. O (a) profissional na Psicologia pode, sem dúvida alguma, trabalhar com indivíduos que, por conta da sua precária condição social, necessitam de ajuda em decorrência dos traumas e das dificuldades psicológicas advindas de uma constante falta de recursos. A pobreza e a miséria não apenas impedem a satisfação de necessidades mais básicas, como podem prejudicar o desenvolvimento dos estágios seguintes, mesmo que o indivíduo tenha sanado depois as suas necessidades básicas. Os traumas que a situação inicial lhe deixaram, podem impedir o alcance de uma auto-estima favorável, ou de uma vida afetiva equilibrada. Isto porque, no nosso mundo, ser pobre não é apenas ter pouco ou nenhum dinheiro, mas ser excluído, marginalizado, descaracterizado como humano. Nesse sentido, não só suas necessidades mais fundamentais lhe foram retiradas, como também as demais que lhe qualificam como humano. Por outro lado, riqueza material não significa afeto ou estima autênticos, e muitas pessoas de elevado nível econômico podem apresentar lacunas ou déficits significativos em seu desenvolvimento. Não se iluda: ao final de tudo, o dinheiro e o consumo lhe ajudarão muito, mas não lhe trarão tudo, e talvez deixem de lado muita coisa importante.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Auto-estima: como se forma nossa auto-imagem? Parte um: educação


Diversas são as pessoas que, em terapia, se queixam de sintomas depressivos tais como baixa auto-estima. Algumas dessas pessoas trazem um histórico de rejeições e insucessos que parecem bastante associados à maneira como enxergam a si próprias, percepção esta nem sempre condizente com suas reais potencialidades e fraquezas. Seu discurso está geralmente repleto de auto-depreciações que não se justificam com base em seus argumentos ou nas qualidades que nelas podemos identificar. Esses sintomas nos fazem pensar em como se forma a imagem que temos de nós mesmos e no quanto ela pode afetar nossas atitudes e comportamentos.
Nossa auto-imagem começa a se construir muito cedo em nossas vidas, desde as primeiras relações com a figura materna (independentemente aqui de quem ocupa essa função na vida de uma pessoa, seja sua mãe biológica ou não). Todos nós adultos tendemos a projetar nas crianças aspectos de nossa própria infância; quando nos relacionamos com elas, acabamos por tratá-las (consciente ou inconscientemente) como gostaríamos de ter sido tratados naquela etapa da vida. Outras vezes, por inveja, atacamos uma criança por ela ser ou ter características e condições que nós não tivemos. Isso acontece freqüentemente com babás que violentam crianças indefesas; algumas dessas mulheres, seja por sua condição social e econômica ou por outros fatores, não tiveram um histórico infantil saudável e prazeroso, mas uma infância que foi marcada por traumas e outras dificuldades. Quando se deparam com crianças que possuem pais amorosos ou preocupados, uma casa confortável, e outras satisfações, bajulações e comodidades, irritam-se, e por inveja, atacam a criança. Noutras vezes ainda, despejam a violência recebida pelos pais contra elas, durante a infância, nas crianças das quais são responsáveis. Esses exemplos ilustram um pouco de como as crianças nos remetem à nossa infância, despertando comportamentos os mais variados.
Mas essa projeção que os adultos fazem de aspectos da sua infância em outras crianças acontece principalmente quando somos pais. A infância de nossos filhos nos remete, de um modo ou de outro, à nossa própria infância; nos nossos filhos, idealizamos muitas das perfeições e dos sonhos que não pudemos realizar quando crianças. Desejamos que sejam melhores do que nós, que realizem o que não pudemos. Queremos lhes oferecer os brinquedos que não tivemos, os passeios que não tivemos, etc. E se não tivemos nada disso, podemos também pensar que nossos filhos devem igualmente ter acesso a poucas coisas, e lutar por sua própria conta para alcançarem o que desejam. Às vezes, damos-lhes todo o limite e repreensão que não tivemos de nossos pais; em outras, damos-lhes pouco limite e afrouxamos demais, assim como esperávamos que fosse a nossa infância (ou como ela de fato foi). Enfim, a educação de nossos filhos dependerá sempre de como aceitamos ou rejeitamos certos aspectos da educação de nossos próprios pais, do quanto vamos ou não manter, em nossa própria conduta, a educação que nos deram.
Considerando estas questões, vemos que a nossa auto-imagem depende também de como seremos vistos pelos nossos pais, e pelas outras pessoas. Quando nascemos, não fomos ainda socializados... estamos ainda à espera de educação. A maneira como vão nos tratar, se vão nos dar carinho, ou nos rejeitar, tudo isso determinará, em grande parte, o modo como trataremos a nós próprios, o quanto gostaremos de nós mesmos. Esse critério, em última instância, não é universal, mas subjetivo. Existem crianças que, mesmo sob uma série de adversidades familiares, sentem-se amadas e protegidas. E isso condicionará fundamentalmente a capacidade delas de se amarem e se protegerem quando se tornarem adultos, e não puderem mais recorrer ao colo dos pais.
Quando os pais criam a respeito dos filhos, uma imagem muito idealizada que não condiz com aquilo que os filhos são, ou quando os pais esperam dos filhos atitudes e comportamentos que os mesmos não correspondem, os pais tendem a rejeitá-los, de um modo ou de outro, de formas mais ou menos diretas, mais ou menos sutis, e a criança é capaz de perceber isso, em pequenos comportamentos e diferenças dos pais. É um grande mito acharmos que criamos a todos os nossos filhos do mesmo jeito; cada filho nasce numa época diferente, desenvolve características de personalidade diferentes, passa por processos de socialização diferentes (dependendo se é menino ou menina, se é o irmão mais velho, do meio, e assim por diante, dependendo dos seus traços físicos e predisposições, de alguma doença ou deficiência física ou mental, etc.). Enfim, os fatores que determinam a personalidade são muitos. E as crianças percebem que os pais os tratam de modo diferenciado, ora favorável, ora desfavoravelmente. Tudo isso influirá na auto-imagem, de muitas formas. A rejeição costuma criar um círculo vicioso, no qual o indivíduo tende a gerar nas pessoas uma tendência a rejeitá-lo sempre de novo, pela piedade que sentem em relação a ele, e pela ausência de amor próprio que sentem emanar dele. Por não se amar, não consegue ser amado pelos outros.
A capacidade de se respeitar, de se perdoar, e mesmo de amar... esses sentimentos são, em parte, construídos pelo ser humano. Embora todo ser humano busque o seu semelhante, de modo a garantir sua sobrevivência, o amor e o respeito socialmente compartilhados são atitudes aprendidas, e não dons inatos! Um bebê se sente bem com o carinho que recebe, mas se houver complicações graves na sua relação com a figura materna e com outros seres humanos, o indivíduo pode não aprender direito como amar e doar carinho. Ele vai sempre esperar do outro, mas não vai aprender a fazer sua parte. O amor que damos depende significativamente do quanto recebemos de amor; assim com o respeito, a estima, e tudo mais.
Muitos outros fatores interferem na auto-imagem, e os discutiremos melhor nas próximas postagens.