terça-feira, 20 de novembro de 2012

A genialidade e a loucura

Prosseguindo com a nossa discussão sobre os fenômenos decorrentes da relação entre vontade e intelecto, chegamos ao continuum entre genialidade e loucura. Schopenhauer (1819/2005a) descreve que a genialidade e a loucura possuem um lado pelo qual perpassam fronteiras que confundem seus limiares. Tal qual o gênio recorre ao seu mundo interno para expressar sua criatividade, este também pode se isolar na abstração e fantasia, ao excluir-se do princípio de razão, acarretando um distanciamento da vida exterior e aproximando-se de uma realidade paralela no mundo das idéias. O gênio pode ser considerado, dessa forma, como louco, ainda que seja ilustre e talentoso. Portanto, deve-se tomar cuidado com todo o julgamento feito sem base sólida, ou seja, comprovada com resultados de cunho pertinente à patologia atribuída. O filósofo explicita em sua obra, o quanto é delicada a atribuição e diagnóstico da loucura, bem como suas duras conseqüências para a raça humana. O autor explica como se dá o funcionamento de um homem genial, para o qual a idéia é predominante em sua mente, o que o distancia do predomínio da racionalidade; o gênio é dominado pela febril e constante paixão do criar. Por sua vez, com esse ato de criação corre o risco de se afastar da objetividade, cedendo integralmente ao subjetivismo desenfreado, perdendo-se do contato com a sociedade. Para o homem genial não é perceptível tamanha reclusão, por estar envolvido e absorvido com suas idéias. Porém, para o mundo exterior e para o senso-comum, o gênio pode com tamanha facilidade ser considerado um ser diferenciado, e talvez, por conta disso, é visto muitas vezes como louco; o questionamento social tende a gerar assim, dúvidas nocivas à sua saúde mental (SCHOPENHAUER, 1819/2005a). È justamente neste ponto que Schopenhauer toma o devido cuidado para não problematizar mais ainda o quadro da genialidade, tratando-se, na verdade, de pessoas que apenas não se utilizam de uma lógica usual para se apropriarem, na maioria das vezes, da intuição, e assim compor suas idéias, mantendo-se na abstração. Em conformidade com esta atitude, numa conversação, o indivíduo genial não dirige diretamente à pessoa seu próprio pensamento, porque o mesmo está fixo na idéia, ou seja, no assunto que está sendo tratado. Neste caso, a preocupação é quase inteiramente com as idéias; é exatamente neste ínterim que é processado na mente do gênio a reflexão sobre o que deve ser realizado, estando ele alheio à vontade, ao tempo e ao que é externo ao objeto de estudo. No entanto, segundo Schopenhauer, é quando restrito à sua abstração que se dá a unificação entre o sujeito e a idéia como forma pura do conhecimento. Ao se abstrair do tempo, do espaço, da lógica, e, assim do princípio de razão é que o sujeito dá à idéia uma expressão concreta, na forma de objetivação perfeita da vontade (SCHOPENHAUER, 1819/2005a).
É premente compreender, contudo, que nesta objetivação da vontade que dá forma à idéia, existe um equilíbrio perfeito entre o objeto e o sujeito a ponto de não ser possível diferenciar-se um do outro, por estes se encontrarem fusionados. Pensando-se que para haver uma idéia é necessário que o sujeito a conceba, logo esta idéia perpassa o criador tomando-se parte integrante e inseparável de si; destarte, é nesta fusão que o sujeito e o objeto se entrelaçam, onde se dá vazão ao mundo como Representação. O gênio, portanto, lança seu olhar para muito além dos fenômenos, e ao atingir a Representação, passa a compreender a verdadeira essência do mundo, já não se importando com a vida cotidiana e fenomênica. Considerando-se que o indivíduo genial recorre ao seu próprio interior para extrair a Representação das coisas e muitas vezes se isola demais para obter resultados satisfatórios, ele pode como dito anteriormente, ser confundido com o louco. A comparação é feita, sobretudo, dada a semelhança entre o comportamento do indivíduo genial e do indivíduo louco. Mas, em última instância, trata-se apenas de uma parecença casual, visto que os quadros diferem bastante entre si, como veremos adiante ao nos reportarmos à loucura propriamente dita. É importante salientar que, para Schopenhauer não existe exatamente um conceito preciso que diferencie o louco do são (CACCIOLA, 1991; SCHOPENAHAUER, 1819/2005a). Já se referenciou muito do indivíduo genial para elucidar como ocorre seu proceder nas questões subjetivas e objetivas; agora se faz o momento adequado para adentrarmos os limites da loucura. A loucura tem como principal característica a ruptura da memória; esta ocorre para amenizar o sofrimento psíquico originado de vivências traumáticas e assim não amputar o ser por completo. Haja vista que no estado de loucura o que é diretamente agredido é a memória e não o conhecimento atual das coisas. Pelas lacunas que se formam entre a memória atual e a memória passada, o louco desenvolve alucinações e delírios que irão preencher o vácuo deixado pela ruptura mnêmica, e, consequentemente, o processamento delirante das informações acaba invalidando a autenticidade das mesmas Surgem as fantasias descontroladas que emergem de dentro do psiquismo do louco para tentar recompor a personalidade e o senso de identidade do sujeito; a predominância das fantasias causa um rompimento com a realidade externa, o que torna pouco confiável tudo o que diz o louco. Neste caminhar, em pouco tempo o louco é dado como sujeito desadaptado, impróprio para o convívio em sociedade. Por isso o cuidado de Schopenhauer ao se referir à loucura e à comparação com a genialidade em suas particularidades (CACCIOLA, 1991; SCHOPENHAUER, 1819/2005a). Nesse sentido, pode-se afirmar aqui um paradoxo que envolve a vontade humana como um elemento que tanto pode perturbar o intelecto quanto em alguns casos estimulá-lo. No caso da memória, por exemplo, esta pode ser intensificada pelo ímpeto da vontade, mesmo quando se trata de uma memória fraca, retendo apenas aquilo que tem valor para o afeto dominante. Desse modo, a vontade está na base da memória e um ser que fosse só conhecimento não conseguiria reter nada. A vontade é que mobiliza a associação de idéias, que faz com que a certas representações presentes liguem-se outras passadas, por meio da analogia (CACCIOLA, 1991).

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