terça-feira, 20 de novembro de 2012

O Amor

Para Schopenhauer (1819/2000), o amor teria sido um assunto filosófico relegado por muitos, até que ele resolvesse trazê-lo novamente à tona. Seu objetivo é assim o de elevar o amor ao nível da dignidade metafísica, ofuscada até então por outros autores. Nesse sentido, o amor pode ser compreendido em dois níveis distintos: um físico e um metafísico. Em sua acepção física, o amor manifesta-se como paixão arrebatadora e como instinto sexual – em outras palavras, como expressão dos impulsos e desejos corporais, isto é, como a própria vontade objetiva, o próprio querer-viver. Porém, o amor teria igualmente sua essência metafísica, expressa nas obras dos poetas e dos grandes pintores que procuraram representá-lo. É essa oposição, entre o amor na sua forma individualizada – como querer-viver – e o amor em sua essência metafísica, que caracterizará a teoria de Schopenhauer sobre o fenômeno do amor (SCHOPENHAUER, 1819/2000). É aqui, por outro lado, que a noção de processos não-conscientes desempenhará também um papel fundamental. Para o filósofo, o instinto sexual e o amor que une os seres têm por objetivo final perpetuar a espécie. Contudo, tal objetivo não é, de modo algum, perceptível diretamente pelos próprios seres. Ele age, na verdade, como um impulso cego de acasalamento, quase uma estratagema da natureza, que impele irresistivelmente a ligação entre dois indivíduos, por meio da qual será gerado um rebento; este, por sua vez, é ao mesmo tempo, produto dessa união e concretização do querer-viver da espécie. Assim, todo o enamorar-se, por mais abstrato e etéreo que pareça, enraíza-se no instinto sexual, e visa concretizar muito mais do que o desejo de duas pessoas em permanecer junto, sendo a mola que conduz a espécie à sua conservação e proliferação. Como afirma Barboza (2007, p. 229):
Em verdade, Schopenhauer defende que o casal amoroso não se formou, mas foi formado pela futura criança a nascer. Esta criança impele à união, urde o acasalamento de reprodutores saudáveis, para assim ter a maior chance possível de fazer uma bela entrada em cena, vigorosamente, no teatro da vida e da existência. O casal pensa perseguir a satisfação pessoal, mas no fundo trabalha como marionete de uma futura criança, que contribuirá por sua vez para a manutenção da espécie. O impulso sexual que anima o amor é o motor da sobrevivência da espécie, como o demonstra o seu chamado impositivo e a seriedade generalizada com que é tratada na natureza. É o assunto mais relevante de todos, inclusive na cultura, em que ele infiltra suas madeixas e arquiteta ardis tanto nos assuntos cotidianos e corriqueiros quanto nos extraordinários e elevados.
Nesse aspecto, pode-se dizer que Schopenhauer reduz toda a paixão e o amor a uma expressão da sexualidade, defendendo certo pansexualismo (ASSOUN, 1978; BARBOZA, 2007). A essência metafísica do amor estaria, dessa forma, na busca por preservar a indestrutibilidade do Homem – sendo este concebido aqui em sua acepção genérica, como a própria espécie humana – através da continuidade das gerações futuras. Para Schopenhauer, o sexo seria praticamente a meta final de quase todo o esforço humano, um elemento da maior importância na constituição psíquica dos indivíduos, objeto de preocupações e questionamentos em diferentes etapas do desenvolvimento. E quando a função de amar não é colocada em ação, quando ela falha em seu objetivo de reprodução da espécie, tende a gerar uma série de problemas para o indivíduo, como as chamadas perversões. Para o filósofo, a masculinidade e a feminilidade comportariam inúmeros graus, sendo quase impossível prever todas as possibilidades que o amor e a sexualidade nos colocam para a sua manifestação, ainda que deslocada do objetivo de continuação da espécie (SCHOPENHAUER, 1819/2000). O amor pode ser considerado assim, a principal expressão da Vontade e do querer-viver, denotando mais uma vez, a função imperiosa da Vontade sobre os indivíduos, mesmo a contrariar as pretensões intelectuais e racionais destes últimos. Mais uma vez, têm-se um campo bastante fértil para a discussão entre as teorias de Freud e de Schopenhauer.

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